AJD solicita a CNPCP que indefira pedido de afrouxamento de uso de contêiner como prisão

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Nesta quarta-feira, 22, a AJD (Associação Juízes para a Democracia) enviou ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão subordinado ao ministro da Justiça, ofício no qual solicita que o órgão indefira pedido do Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional no sentido de afrouxamento das restrições de uso de contêiner no alocamento de pessoas presas.

 

“A prática do uso de contêiners não é nova no país. Ela já foi tentada em alguns estados, dentre eles o Pará e o Espirito Santo. Em 2010, este último foi denunciado na Organização das Nações Unidas (ONU), diante de graves problemas no sistema carcerário. Presos ficavam em contêineres de ferro a temperaturas desumanas, tendo ocorrido esquartejamentos e torturas”, descreve o texto do documento assinado pela presidenta da AJD, Valdete Souto Severo.

 

“O ordenamento jurídico nacional não permite penas cruéis. A Constituição assegura aos presos integridade física e moral. A prisão em contêiner, de manifesta ilegalidade, em qualquer uma de suas modalidades, fere assim a dignidade da pessoa humana”, ressalta a AJD no texto.

 

Ao invés de subestimar o poder de letalidade da Covid-19 e superestimar as penas privativas de liberdade e as estruturas das cadeias, cujo Supremo Tribunal Federal já declarou em estado inconstitucional de coisas, “cumpre ao Ministério da Justiça fomentar a efetivação em todo o território da Recomendação n.62 do Conselho Nacional de Justiça, que aponta diretrizes e caminhos para garantia e proteção da saúde de quem está atrás das grades, indicando entre outras medidas a prisão domiciliar para idosos, doentes, grávidas, lactantes e apenados em regime semiaberto”, defende a entidade.

 

Abaixo, o texto completo do ofício.

 

Ofício nº 10/2020 – AJD

 

São Paulo-SP, 22 de abril de 2020.

 

Ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

Assunto: Manifesto contra conteiners

Excelentíssimo Senhores (as) Conselheiros (as),

A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental, de âmbito nacional, sem fins corporativos, ciente do teor do ofício n.806/2020/GAB-DEPEN/MJ, vem manifestar a vossas excelências, membros do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, sua absoluta contrariedade a qualquer resolução que vise a afastar diretrizes básicas para a arquitetura penal, constantes na Resolução n.9/2011 – CNPCP e suas alterações. Solicita o Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional, por meio do referido ofício, que esse Conselho afaste temporariamente as restrições constantes na resolução retro enumerada para efeito de permitir o uso de contêiners e assim, entre outros objetivos, satisfazer a necessidade de vagas temporárias destinadas a abrigar presos não contaminados, mas em grupo de risco, e vagas temporárias destinadas a abrigar presos contaminados sem que necessitem de tratamento médico.

A prática do uso de contêiners não é nova no país. Ela já foi tentada em alguns estados, dentre eles o Pará e o Espirito Santo. Em 2010, este último foi denunciado na Organização das Nações Unidas (ONU), diante de graves problemas no sistema carcerário. Presos ficavam em contêineres de ferro a temperaturas desumanas, tendo ocorrido esquartejamentos e torturas.

O ordenamento jurídico nacional não permite penas cruéis. A Constituição assegura aos presos integridade física e moral. A prisão em contêiner, de manifesta ilegalidade, em qualquer uma de suas modalidades, fere assim a dignidade da pessoa humana.

No lugar de subestimar o poder de letalidade da Covid-19 e superestimar as penas privativas de liberdade e as estruturas das cadeias, cujo Supremo Tribunal Federal já declarou em estado inconstitucional de coisas, cumpre ao Ministério da Justiça fomentar a efetivação em todo o território da Recomendação n.62 do Conselho Nacional de Justiça, que aponta diretrizes e caminhos para garantia e proteção da saúde de quem está atrás das grades, indicando entre outras medidas a prisão domiciliar para idosos, doentes, grávidas, lactantes e apenados em regime semiaberto. Ressalte-se que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos lançou a Resolução n.1/2020. Essa Resolução dá nova dimensão às diretrizes da Recomendação n.62 do CNJ, colocando o Estado Brasileiro e as autoridades do país na condição de obrigados a medidas de proteção a presos e da necessidade de procederem ao desencarceramento preventivo. Ou seja, a Comissão IDH está a dizer que o descumprimento sujeitará o país a sanções perante a Corte IDH.

Projetos como esses do Departamento Penitenciário Nacional, que se centram em experiências mal sucedidas e que evitam, por incompetência ou falta de vontade, a enfrentar os principais desafios para a superação da Pandemia, que bate às portas do sistema carcerário, não estão à altura dos desafios que o momento exige.

Diante de todo o exposto, de acordo com os princípios que norteiam a preservação da dignidade humana no contexto do um Estado Democrático de Direito, ainda estampado na Constituição da República e pelo qual todos temos a obrigação de zelar, os juízes para a democracia rejeitam veementemente o pedido do Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional e requerem que esse Conselho indefira prontamente o afrouxamento das restrições de uso de contêiner no alocamento de pessoas presas.

Certa de contar com a compreensão e o apoio de Vossa Excelência para essa justa demanda, agradecemos antecipadamente.

Atenciosamente,

VALDETE SOUTO SEVERO

Presidenta da Associação Juízes para a Democracia - AJD

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