Nota de pesar e solidariedade às vítimas e familiares do massacre de Altamira/PA

Foto: Bruno Cecin/Agência Pará

A Associação Juízes para a Democracia (AJD) vem a público lamentar as mortes ocorridas durante rebelião de detentos no Centro de Recuperação Regional de Altamira/PA, bem como externar profundo pesar e solidariedade aos familiares das 57 vítimas do massacre.

A chacina é a maior ocorrida em presídios desde o emblemático massacre do Carandiru, em 1992, quando 111 detentos foram assassinados na Casa de Detenção de São Paulo. E, lamentavelmente, demonstra que, passados quase 27 anos da tragédia, nada evoluímos no enfrentamento ao caos carcerário e no resgate da dignidade das pessoas encarceradas.

A prisão é uma realidade que diz respeito a todos nós, mas que acaba por atingir principalmente os setores mais vulneráveis da população, já que a violência e a criminalidade são produtos da elevada desigualdade social brasileira. Para grande parte dos cidadãos, o Estado nunca se fez presente como agente de promoção dos direitos que possibilitam o acesso ao básico para uma vida digna. Porém, esse mesmo Estado omisso em seu papel social é extremamente eficiente e implacável na tarefa punitiva e repressora.

Segundo dados do último levantamento do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), divulgado em dezembro de 2017 pelo Ministério da Justiça, o Brasil tem 726 mil presos, o dobro do número de vagas nas prisões. Em dezembro de 2014, eram 622.202 presos, o que representa crescimento de mais de 104 mil pessoas em 18 meses. De acordo com o relatório, 89% da população prisional está em unidades superlotadas: 78% dos estabelecimentos penais têm mais presos que o número de vagas. Somos a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

Ainda, segundo recente pesquisa divulgada, presos provisórios (sem julgamento), que chegaram a representar 34,4% da massa carcerária há um ano, atualmente correspondem a 35,9% (https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/04/26/superlotacao-aumenta-e-numero-de-presos-provisorios-volta-a-crescer-no-brasil.ghtml).

Esse terreno de indiferença perante a violação de direitos da população carcerária é fértil para o fortalecimento das facções criminosas, que instituem um verdadeiro Estado paralelo dentro das cadeias.

A situação caótica das prisões brasileiras, inclusive, fez o STF reconhecer que paira um estado de coisas inconstitucional sobre o sistema penitenciário brasileiro. E é nesse cenário de violação de direitos e desprezo pela dignidade humana que se deu a rebelião em Altamira: celas superlotadas, jovens primários em contato com líderes e membros de facções criminosas, presos sem condenação definitiva dividindo o mesmo espaço com reincidentes. Segundo notícias, a fim de sanar a falta de vagas, recentemente houve a aquisição pelo Poder Público de celas modulares, verdadeiro eufemismo para que se esconda o que realmente representam: minúsculos contêineres de 3 metros de largura por 5,90 metros de comprimento e destinados ao confinamento de até 12 pessoas.

Em que pese a percepção disseminada pelo senso comum de que pessoas presas não são sujeitos de direito, é preciso que se lembre que o encarceramento não retira do indivíduo sua dignidade. Nesse ponto, manifestamos nosso repúdio à fala do sr. Presidente da República, Jair Bolsonaro, o qual, mais uma vez, comprovando o total despreparo para o cargo que ocupa, bem como profunda insensibilidade, ao ser questionado sobre o massacre, respondeu: “pergunta para as vítimas dos que morreram lá”.

A fala do Presidente, ao mesmo tempo em que se revela extremamente perversa para com os mortos e seus familiares, é representativa da fase pela qual o país passa, em que a ignorância e o ódio são festejados e utilizados como palanque a agentes públicos dotados de personalidades doentias.

A AJD reitera o posicionamento crítico e contrário à política de superencarceramento e a defesa dos direitos das pessoas encarceradas e manifesta sua solidariedade às famílias das vítimas, aqui mencionadas nominalmente, desumanizadas por uma política criminal brutalizadora:

1. Adriano Moreira de Lima;
2. Bruno Whesley de Assis Lima;
3. Carlos Reis Araujo;
4. Deiwson Mendes Correa;
5. Deusivan da Silva Soares;
6. Efrain Mota Ferreira;
7. Eliesioda Silva Sousa;
8. Ismael Souza Veiga;
9. Jelvane de Sousa Lima;
10. João Pedro Pereira dos Santos;
11. Josivan Irineu Gomes;
12. Nathan Nael Furtado;
13. Natanael Silva do Nascimento;
14. Rivaldo Lobo dos Santos;
15. Evair Oliveira Brito;
16. Gilmar Pereira de Sousa;
17. Admilson Bezerra dos Santos;
18. Ailton Saraiva Paixão;
19. Alan Kart G. Rodrigues;
20. Alan Patrick dos Santos Pereira;
21. Iessandro Silva Lima;
22. Amilton Oliveira Camera;
23. Anderson dos Santos Oliveira;
24. Anderson Nascimento Sousa;
25. André Carlos Sousa Patrício;
26. Bruno Rogério Andrade;
27. Cleomar Silva Henrique;
28. Clevacio Soares Queiroz;
29. Diego Aguiar Figueiredo;
30. Diego Walison Sousa Reis;
31. Diogo Xavier da Silva;
32. Domingos Fernandes Castro da Silva;
33. Douglas Gonçalves Viana;
34. Edson Costa de Macedo;
35. Delimarques Teixeira Pontes;
36. Francisco Claudizio da Silva Ferreira;
37. Geidson da Silva Monteiro;
38. Hugo Vinicius Carvalho;
39. Itamar Anselmo Pinheiro;
40. Jeová Assunção da Silva;
41. João Nilson Felicidade Farias;
42. José Brandão Barbosa Filho;
43. José Francisco Gomes Filho;
44. Josivan Jesus Lima;
45. Josicley Barth Portugal;
46. Josué Ferreira da Silva;
47. Junior da Silva Santos;
48. Kawe Reis Barbosa;
49. Leonardo Dias Oliveira;
50. Luilson da Silva Sena;
51. Marcos Saboia de Lima;
52. Renan da Silva Souza;
53. Rogerio Pereira de Souza;
54. Sandro Alves Gonçalves;
55. Valdecio Santos Viana;
56. Valnildo de Souza Guedes;
57. Wesley Marques Bezerra.

Brasil, 30 de julho de 2019