Em carta aberta à família de João Alberto de Freitas, núcleo da AJD do RS sugere reflexão de todas e todos

CARTA ABERTA DA AJD - NÚCLEO RIO GRANDE DO SUL


A Associação Juízes para a Democracia, por seu núcleo do Rio Grande do Sul, neste dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, vem a público manifestar solidariedade à família de João Alberto Silveira de Freitas assassinado brutalmente na data de ontem, por pessoas apontadas como seguranças do supermercado Carrefour em Porto Alegre.


Para muito além da responsabilização dos agressores, convidamos todos e todas – e, especialmente, pessoas brancas em espaços de poder político e institucional – a refletir sobre qual é a responsabilidade de cada um e de cada uma de nós para que João Alberto seja visto como apenas um corpo – e um corpo matável. Em que medida as nossas ações e, principalmente, nossas omissões têm contribuído e confortado o dedo no gatilho – ou, como no caso, a sucessão de socos – que matam diariamente seres humanos pelo simples fato de possuírem uma maior quantidade de melanina na pele.


Herdamos uma sociedade estruturada a partir do racismo, de forma que aprendemos a naturalizar uma hierarquia racial que tem sido responsável pelo genocídio e pela negativa de direitos à população negra deste país, na mesma medida em que mantém os privilégios materiais e simbólicos da população branca. Se queremos romper com esta dinâmica “normal” de funcionamento, é necessário que as instituições – públicas e privadas – fomentem ativamente o debate sobre questões raciais, buscando garantir a representatividade de pessoas negras em cargos com poder de mando e gestão e a formação de identidades brancas críticas e conscientes de seus privilégios.

 

Nós, como magistrados e magistradas, voltando nosso olhar especificamente para o Poder Judiciário, que tanto tem contribuído para a manutenção e para o reforço desta estrutura desigual, vemos no ano de 2020 um horizonte de esperança no âmbito da instituição. Isso porque o Conselho Nacional de Justiça promoveu, de forma inédita, o debate sobre questões raciais que acabou resultando em Relatório apresentado pelo Grupo de Trabalho sobre Igualdade Racial no Poder Judiciário, entregue no último dia 20 de outubro, a propor medidas concretas para garantir a equidade racial na instituição. Nosso compromisso primeiro é, pois, com a implementação das medidas sugeridas após um longo e intenso diálogo com a sociedade.

 

Como ensina Lélia Gonzalez, “enquanto a questão negra não for assumida pela sociedade brasileira como um todo: negros, brancos e nós todos juntos refletirmos, avaliarmos, desenvolvermos uma práxis de conscientização da questão da discriminação racial neste país, vai ser muito difícil no Brasil, chegar ao ponto de efetivamente ser uma democracia racial”. A morte de João Alberto, nas vésperas da data que se memora o assassinato de Zumbi, não será em vão se, em sua memória, caminharmos rumo à concretização de um projeto de uma sociedade mais justa e igualitária, com igualdade de direitos e oportunidades para todos e todas. Por isso nós, da AJD, reafirmamos o nosso compromisso com a contribuição para a efetivação deste projeto de nação que já estava presente em Palmares e que foi acolhido pela nossa Constituição de 1988.