Organizações dos Direitos Humanos e entidades sociais denunciam chacina do Salgueiro à ONU

A Associação Juízes para a Democracia, juntamente à Conectas, Justiça Global e OAB/RJ, publicaram na quarta-feira (24) uma carta de apelo urgente ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, que apresenta graves violações sobre as ações de policiais militares no Complexo do Salgueiro, situado na cidade de São Gonçalo – RJ.

No último domingo (21), a PM realizou uma operação em retaliação à morte de um agente do estado, o que resultou no assassinato de nove moradores do Salgueiro, confirmados até o momento, além de relatos sobre pessoas desaparecidas, tortura, alteração de cena do crime, ocultação de cadáveres, invasão de domicílios, entre outras violações aos Direitos Humanos.

Somente neste ano foram realizadas na Favela do Salgueiro 20 operações policiais. Esta foi a 6ª chacina na região. Até o mês de outubro havia um total registrado de 26 mortos em decorrência destas ações da PM.

Em seu texto, a carta de apelo urgente lembra que tais episódios acontecem “em plena vigência da decisão do Supremo Tribunal Federal que impede a realização de operações” (ADPF 635).

As organizações que assinam a carta também lembram do caso João Pedro, assassinado dentro de casa enquanto brincava com primos no Complexo do Salgueiro, em maio de 2020, durante uma incursão da Polícia Civil. O episódio serviu como estopim para a decisão do STF de proibir as operações policiais. “Foi neste contexto que o Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, concedeu uma decisão monocrática suspendendo as operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia de Covid-19. Mas sua morte está, infelizmente, longe de ser um caso isolado”, afirma o documento.

A carta de apelo urgente também foi apresentada à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O documento além de relatar as violações no Complexo do Salgueiro, também requer “que se questione o Estado brasileiro sobre tal evento, especialmente pela caracterização de flagrante atuação violenta das forças policiais”.

Segundo o Conselheiro da AJD, Gabriel Filho, o papel primordial da Justiça em nosso Estado deve ser a garantia dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais. “No momento em que o simples fato de viver é ameaçado pelo próprio Estado, o Poder Judiciário tem que ser o primeiro órgão a se levantar contra as forças que estão impedindo brasileiros e brasileiras, que são carentes, discriminados em razão da sua origem social, em razão da sua cor, em razão da sua formação, de poderem ter o direito básico à existência”, comentou.  

Ofício ao PGR-RJ também foi emitido

Além da carta de apelo urgente à ONU e à CIDH, as organizações emitiram também um ofício para a Procuradoria Geral da República do Rio de Janeiro, especificamente ao Procurador-Geral: Luciano Oliveira Mattos de Souza, ao Procurador-Chefe: Sérgio Luiz Pinel Dias e à Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão: Ana Padilha Luciano de Oliveira.

Este documento requisita ao PGR-RJ informações e providências em relação ao ocorrido no Complexo do Salgueiro. As organizações elaboraram um conjunto de 15 pontos a serem apurados sobre a chacina. Entre eles, que a Procuradora “informe quando a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro comunicou o Ministério Público Estadual sobre a ocorrência da operação no Complexo do Salgueiro e qual a justificativa sobre a ‘excepcionalidade’ apresentada, nos termos da decisão liminar da ADPF 635”.

Também houve pedido para que seja informado quantos agentes participaram da operação, quais armamentos e quanto de munição foram utilizados pelos agentes, se todas as pessoas presas passaram por audiência de custódia e quantas pessoas presas na operação relataram ter sofrido violência policial no momento da prisão.

Gabriel Filho participou da articulação dos dois documentos, como representante da AJD, ela afirma que a decisão de encaminhar este ofício para os órgãos do âmbito doméstico, parte do princípio de que a Associação Juízes para a Democracia acredita nas instituições brasileiras e que elas irão cumprir o seu papel de investigar as condutas das forças policiais. “Nós precisamos que haja uma resposta das instituições jurídicas brasileiras, mas ao mesmo tempo, o Brasil também possui uma obrigação com a comunidade internacional e com o sistema internacional de proteção aos Direitos Humanos”, afirmou.

Apesar de já ter sido condenado várias vezes por violações aos Direitos Humanos, o Brasil segue cometendo vários crimes contra direitos fundamentais de seus cidadãos, no caso, a população pobre, preta e favelada. Em virtude destas condenações internacionais, o país se comprometeu a cumprir uma série de itens que visam corrigir sua conduta na política de segurança pública, no entanto, tais itens não foram cumpridos. “Apesar de nós estarmos apelando aos órgãos estatais, a verdade é que o Estado brasileiro não está dando resposta”, completa Gabriel.