AJD participa de assembleia geral dos povos Guarani Kaiowa

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Foto: Denise Antunes

O termo aty guasu é uma expressão do povo Kaiowa e Guarani para designar suas grandes reuniões políticas. Entretanto, além de ser um tempo de debates sobre os problemas que enfrentam e suas soluções, esta é também uma grande reunião de celebração e festa, com danças, canto e rezas. É o caso do encontro que ocorreu no Mato Grosso do Sul, que reuniu lideranças religiosas Guarani Kaiowa, entre os dias 17 e 20 de maio.

A Associação Juízes para a Democracia, através do seu grupo de trabalho sobre questões étnicas, recebeu o convite de participar do Aty Guasu. A associada Denise Antunes (Núcleo PR/MS) e o associado Caio Maia (Núcleo SP) foram designados para estarem presentes neste encontro especial, cada um em dias diferentes.

Outros representantes de instituições públicas e entidades que lutam pelos direitos dos povos indígenas e meio ambiente também compareceram. No dia 17 (terça-feira), houve uma reunião organizada pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Denise Antunes ouviu os relatos que os membros do conselho compartilharam sobre as violências praticadas pelos fazendeiros da região. “Realmente se tratam de atrocidades de todos os níveis, desde formação de milícia para atacar os indígenas, e envolvimento da Coamo no caso de Caarapó. Triste o cenário indígena no local ‘sufocados’ pelas mortes e plantações em todos os lados e muito pobres. De fato, a situação dos indígenas do Mato Grosso do Sul é uma das piores no Brasil, marcada sempre de muita violência e descaso”, afirmou a associada.

O caso da Coamo aconteceu em 16 de junho de 2016, no que ficou conhecido como o “Massacre de Caarapó”, quando 70 pessoas invadiram o território Tekoha Guasu (MS), ocupado pelos Guarani Kaiowa, e dispararam tiros contra os indígenas. O episódio culminou com a morte do agente de saúde Clodiode de Souza. O ataque também envolveu funcionários do Sindicato rural e das fazendas da região. Segundo investigações do Ministério Público Federal, a ação foi orquestrada através de conversas de whatsapp.

Trocas e aprendizados

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Foto: Denise Antunes

Cada dia do encontro foi marcado por vários rituais que iniciavam a agenda de trabalhos. No dia 18 (quarta-feira), ocorreu uma mesa formada apenas por mulheres, que reuniu lideranças indígenas, a representante do CIMI – Zélia Maria Batista e Dona Margarida (Comissão das Mulheres Campesinas - MS), além de Cecília de Melo e Juliana Bravo Valencia representando a organização Earth Rights International (ERI).

A juíza Denise Antunes teve a oportunidade de falar como representante da Associação Juízes para a Democracia. “Comentei sobre o apoio constante da nossa associação à causa indígena, inclusive no que diz respeito ao Marco Temporal”, relatou.

O associado Caio Maia participou do Aty Guasu do dia 18 a 20. Ele descreveu a sensação de ter estado no evento como um período muito rico em termos de aprendizado e novas conexões. “ Na quinta-feira (19), tivemos falas muito importantes do Marco Antônio (Procurador da República em Dourados-MS), de um representante da Liga Camponesa, do advogado Anderson, que tem atuado na defesa das comunidades em processos de reintegração de posse, e do Mattias, do CIMI”, afirmou.

Caio também falou identificando-se como associado da AJD, mas o que chamou a atenção dos líderes indígenas presentes foi a sua identificação enquanto juiz federal. “Eu assumi em muitos momentos a condição de vidraça da justiça federal. Ouvi atentamente reclamações quanto à atuação da justiça federal em processos de reintegração de posse contra as comunidades”, disse.

Uma das reclamações que mais chamou a atenção de Caio foi o caso de reintegração de posse de uma das comunidades, que mesmo após suspensão por ordem do Supremo Tribunal Federal, teve prosseguimento por iniciativa do juízo de primeiro grau. As comunidades afirmaram que quase sempre perdem nesta instância. “Depositam alguma esperança apenas em instâncias superiores. Contaram que a maioria das comunidades existentes no MS sofreram remoção forçada de seus territórios de origem ainda durante a República Velha. Foram removidas e confirmadas em oito aldeias artificialmente criadas pelo Poder Público”, relatou.

Cada uma das comunidades tentou retomar seus territórios originários. Em um primeiro momento, a reação dos latifundiários foi contratar jagunços e pistoleiros para impedir essa retomada de territórios. Atualmente, porém, isso não tem sido mais necessário. De acordo com Caio, os fazendeiros contam com o próprio aparato estatal para expulsar as comunidades. A PM do Mato Grosso do Sul tem feito reintegração de posse logo após as ocupações, sem mandado judicial. E quando há processo judicial, juízes de primeiro grau têm constantemente aplicado a tese do “marco temporal”.

Abandono da Funai

Os relatos trazidos pelos Guarani Kaiowa sobre a atuação da Funai são desoladores. Os poucos serviços públicos que as comunidades têm acesso são pelo Município. Isso quando há interesse em ajuda-las. “Em Laguna Carapã, pelo que pude perceber, esse interesse existe. A vice-prefeita, inclusive, participou da Aty Guassu. A escola da comunidade é nova e foi construída pelo Município, assim como a quadra de esportes, um barracão. Em Caarapó, por outro lado, uma liderança me relatou que o poder público municipal não tem interesse algum em prover serviços à comunidade”, afirmou Caio.

As comunidades de Guaimbê e Naviraí entregaram nas mãos do associado uma carta com uma série de demandas. Testemunhos da comunidade Pyelito Kue dão conta de que a população está literalmente morrendo de fome. Enquanto na comunidade Guaimbê, a principal luta é pelo reflorestamento, o que também possibilitará o cultivo de plantas que são utilizadas para fins de alimentação, medicinais e construção de casas.

O sentimento de gratidão e o vislumbre de poder participar de um encontro como esse foi compartilhado por Denise e Caio. “Gratificante a experiência, agradeço a oportunidade de participar pela AJD”, afirmou Denise.