Associados da AJD recebem premiação em concurso do CNJ

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promoveu a 1ª edição do Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos. Os premiados foram revelados no dia 30 de agosto. Ao todo o concurso contemplou oito categorias. Entre as premiadas e premiados, membros da Associação Juízes para a Democracia tiveram destaque.

Pela categoria Direitos dos Afrodescendentes, a Desembargadora Maria Fernanda de Toledo Rodovalho (TJSP) foi a vencedora. Na premiação dedicada aos Direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, o Juiz Fabiano Henrique de Oliveira (TRF4) foi contemplado. Enquanto o Desembargador Marcelo Semer (TJSP) foi premiado na categoria Direitos da Criança e do Adolescente. O Juiz de direito Fernando Antônio de Lima recebeu menção honrosa na categoria Direitos de Grupos em Situação de Vulnerabilidade.

Temas que revelam um Brasil

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Marcelo Semer, venceu a categoria Direitos da Criança e do Adolescente/Foto: Twitter

As premiações na qual os associados foram destaque formam uma espécie de “Raio-X” do atual momento do Brasil. Ataques aos povos indígenas e seus territórios, sobretudo por parte das entidades que deveriam protegê-los, a preservação da infância, a luta contra o racismo nas suas mais diversas formas e o cenário de precarização da vida que deixa ainda mais vulneráveis pessoas abandonadas por políticas públicas.

Em decisão na 2ª Vara Federal de Passo Fundo, Fabiano de Oliveira deliberou sobre caso que envolveu diversas comunidades indígenas e áreas declaradas, delimitadas, regularizadas ou em processo de demarcação, que vinham sofrendo com o assédio da própria FUNAI sobre seus territórios. “A realidade brasileira é por um lado frequentemente marcada por exclusões e violações a povos e grupos humanos, como os povos e comunidades indígenas, e por outro lado, marcada pelo silenciamento e não divulgação das exclusões e violações institucionais”, declarou Fabiano.

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Fabiano Henrique de Oliveira foi premiado na categoria Direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais/Foto: Arquivo Pessoal

Para o juiz, o concurso é uma forma de dar conhecimento maior a população a estas questões e indicar que é possível uma resposta institucional que observe normas internacionais de direitos humanos e direitos fundamentais para evitar e impedir violações, discriminações e exclusões de antemão ou de qualquer forma às comunidades indígenas. “É pressuposto do Estado Democrático de Direito o igual respeito e consideração a todos”, afirmou Fabiano.

Em sua decisão, o magistrado do TRF4 considerou três aspectos importantes da matéria: I – Originariedade; II – Tradicionalidade e III – Ocupação da terra. Fabiano diagnosticou a pretensão, por parte da administração pública, em violar a legalidade e a Constituição Federal, além de identificar contrariedade às normas previstas em Tratados Internacionais de Direitos Humanos aos quais a atividade administrativa do Estado Brasileiro estão vinculadas.

Racismo Religioso

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Maria Fernanda do TJSP/Foto: TJSP

A associada Maria Fernanda foi relatora em matéria sobre programa de humor que ofendeu pessoas de religiões afro-brasileiras. O caso suscita o debate sobre liberdade de expressão e o direito dos grupos religiosos de matriz africana. “Eu acho que o mais importante de garantir a liberdade religiosa é enfatizar que o estado é laico e que não há uma religião preponderante ou que se sobreponha às demais. É enfatizar o direito de todos poderem expressar suas crenças e serem respeitados. Assim se constrói uma sociedade mais justa”, afirmou Fernanda.

O caso não teve uma responsabilização criminal, mas uma punição aplicada pela administração pelo excesso do quadro de comédia. Sobre a questão que envolve uma possível limitação ao humor ou à liberdade de expressão, a desembargadora afirma que tal conflito não existe. “Todos podem expressar suas opiniões e podem criar peças de humor, mas estão sujeitos a serem processados por quem se sente ofendido. Isso não é tolher a liberdade de expressão, é só mostrar que toda liberdade tem de ser exercida com responsabilidade. Liberdade de expressão não significa direito de menosprezar as crenças de outros grupos religiosos”.

Ainda de acordo com Maria Fernanda, no caso específico dos grupos de religiões afro-brasileiras, infelizmente o que deveria ser apenas a garantia do direito à religião passa a ser garantia indireta do direito à vida. “A garantia da liberdade de culto ganha mais importância quando se observa que os seguidores de religiões de matriz africana não apenas têm tolhido o direito à crença, como também correm risco de serem fisicamente agredidos apenas porque professam uma religião determinada”.   

Menção Honrosa

O juiz Fernando Antônio de Lima concorreu na categoria Direitos de Grupos em Situação de Vulnerabilidade. Ele recebeu menção honrosa por sua decisão. Fernando defende que a magistratura precisa ter uma plena conexão com a realidade, ainda mais quando se trata de uma realidade social que se degrada cada dia mais. “Há muita miséria guardada nos esconderijos da vida. Não se chega a esse subterrâneo apenas com a letra da lei, mas também com a aparelhagem do coração. Cumpre à toga vestir-se da percepção de que brasileiros e brasileiras estão se alimentando de ossinhos sobrados dos açougues. O trabalho, que mendigam para nosso povo, quando sobra, sobra precário, rouba horas de convívio com a família, rouba o lazer e rouba o desfrute da mínima dignidade que se espera da vida. Sentenças podem revoltar-se contra isso, basta valerem-se do cinzel fornecido pelos princípios de humanidade recolhidos da Constituição”, afirmou Fernando.

Para o associado, o Conselho Nacional de Justiça deu um passo importante, ele acredita que a pauta de Direitos Humanos está sendo mais considerada na magistratura brasileira. Entretanto, pondera que o Poder Judiciário precisa dar um passo adiante, como a criação de mais cursinhos populares, para que haja uma maior diversidade entre os juízes. Fernando também defende a existência de mais conteúdo sociológico, filosófico e literário nos cursos de Direito, para uma melhor compreensão da vida de boa parte da população, além de experiências ao lado de povos indígenas, quilombolas, sem-terra, diálogos com a cultura africana, aulas intensivas de igualdade de gênero.

Toda a reflexão do juiz vai no sentido de uma magistratura popular e sintonizada com o cotidiano da população empobrecida e marginalizada. “Precisamos avançar em torno de uma pauta que nos insira na realidade da nossa gente, para que não caiamos na tentação de nos sentirmos acima de nosso povo. Conhecer em profundidade as causas da vulnerabilidade é uma das condições básicas para atuarmos na proteção dos vulneráveis”, concluiu.

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Menção Honrosa para Fernando Antônio de Lima/Foto: Arquivo Pessoal

 

Veja abaixo a lista completa de premiados no Concurso do CNJ:

1. Direitos da Criança e do Adolescente

1001936-59.2015.8.26.0053, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Des. Relator Marcelo Semer, Acórdão 1376026

2. Direitos das Pessoas privadas de liberdade

0014681-88.2019.8.14.0051, Tribunal de Justiça do Despacho 1376771 SEI 01383/2022 / pg. 2 Estado do Pará, Juiz de Direito Flávio Oliveira Lauande, Decisão 1376029

3. Direitos das Mulheres

5014547-70.2020.4.03.6100, Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Juíza Federal Ana Lucia Petri Betto, Decisão 1376031

4. Direitos da População Lésbica, Gay, Bissexual, Transexuais, Queer, Intersexo e Assexuais – LGBTQIA+

0182854-55.2017.4.02.5114, Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Juíza Federal Ana Carolina Vieira de Carvalho, Decisão 1376035

5. Direitos dos Afrodescendentes

1050987-63.2020.8.26.0053, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Desa. Relatora Maria Fernanda de Toledo Rodovalho, Acórdão 1376040

6. Direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais

5006915-58.2020.4.04.7104, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Juiz Federal Substituto Fabiano Henrique de Oliveira, Decisão 1376045

7. Direitos da Pessoa com Deficiência

0000747-07.2016.5.05.0007, Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, Juíza do Trabalho Karina Mavromati de Barros e Azevedo, Decisão 1376055

8. Direitos de grupos em situação de vulnerabilidade

5010000-84.2020.4.03.6100, Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Des. Fed. Relator André Nabarrete, Acórdão 1376069

Menções Honrosas

1. Direitos das Mulheres

1005413-82.2018.4.01.3200, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Juíza Federal Substituta Raffaela Cassia de Sousa, Decisão 1376076

2. Direitos de grupos em situação de vulnerabilidade

1002389-88.2021.8.26.0297, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Juiz de Direito Fernando Antonio de Lima, Decisão 1376079