Nota da AJD em solidariedade à Ministra Carmen Lúcia

A Associação Juízes para a Democracia, entidade de âmbito nacional de caráter não corporativo, que reúne juízas e juízes de todo Brasil em torno da defesa radical da democracia e dos direitos humanos, diante dos últimos acontecimentos, vem a público manifestar:

1) Sua solidariedade à Ministra Carmen Lucia, do Supremo Tribunal Federal, vítima de uma das expressões mais repugnantes da violência de gênero contra uma magistrada. A violência desferida contra a Ministra atinge múltiplas perspectivas. Inicialmente, busca desmerecer e desprezar sua forma de decidir associando-a a ultrapassados e grotescos estereótipos sexistas que partem da premissa da inferioridade do gênero feminino. O discurso de ódio extremamente violento e agressivo verbalizado pelo ofensor busca não apenas legitimar e naturalizar a violência contra todas as mulheres, mas incitar a prática de atos criminosos e violentos, o que enseja responsabilidades no campo penal e extrapenal, respeitados os ditames do devido processo legal. 
2) Em outra dimensão, a violência direcionada contra uma integrante do Poder Judiciário em razão de suas decisões também configura grave ofensa ao princípio da independência judicial. A ofensa irrogada contra a Ministra Carmen Lucia se insere num contexto de prática contumaz de ataques contra o Supremo Tribunal Federal por parte de movimentos políticos extremistas, dos quais o ofensor é um dos principais expoentes. Não se pode ignorar que tal prática tem por objetivo fragilizar o Poder Judiciário como órgão de controle do poder exercido pelo Poder Executivo, favorecendo cosmovisões autoritárias e erodindo os pilares da democracia, assentados na separação dos poderes, na supremacia da constituição e no princípio republicano. Diante disso, mais uma vez, a AJD vem manifestar seu repúdio a tais ataques e à trivialização do discurso de ódio e de incitação à violência como estratégia política aceita no debate público. Cabe reiterar, mais uma vez, que discursos de ódio e incitação à violência, inclusive contra as instituições do poder judiciário, não se inserem no conceito de liberdade de expressão e, portanto, devem merecer a mais veemente reprovação.
3) Também é preciso destacar que a violência irrogada contra a Ministra Carmen Lucia se deu em razão de sua atuação na jurisdição eleitoral. Trata-se, a um só tempo, de violência de gênero, ataque à independência judicial e, também de mais um episódio de violência no contexto eleitoral. O gravíssimo ato de violência contra uma representante da Justiça Eleitoral não pode ser compreendido de forma isolada, fora do contexto de um processo eleitoral excessivamente violento, marcado por assassinatos, lesões corporais, ameaças e agressões praticadas em razão de ódio político, como já destacaram o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU e a Comissão de Direitos Humanos da OEA. Por essa razão, a AJD repudia a prática sistemática da violência eleitoral diante dos riscos que apresenta à realização de eleições justas, livres e pacíficas.
4) Da mesma forma, diante dos desdobramentos do ato de violência praticado pelo ofensor da Ministra Carmen Lucia, que após descumprir as condições de sua prisão domiciliar, resistiu ao cumprimento da ordem judicial que determinou seu retorno ao regime fechado atirando com tiros de fuzil e lançamento de granadas contra agentes da Polícia Federal, a AJD manifesta sua solidariedade ao delegado Marcelo Vilella e à policial Karina Lino Miranda de Oliveira, ambos feridos por estilhaços no cumprimento de seu dever funcional. 
5) De igual forma, a AJD manifesta solidariedade ao repórter cinematográfico Rogério de Paula, agredido por apoiadores do ofensor da Ministra Carmen Lucia, ao registrar os fatos relacionados à sua prisão. Os atentados à liberdade de imprensa também se inserem no preocupante contexto de fragilização da democracia brasileira e devem merecer o mais veemente repúdio por todas as forças sociais comprometidas com a defesa da democracia.
São Paulo, 24 de outubro de 2022.